O Plano Diretor de Salvador, a política urbana e o tratamento das ZEIS

Demarcação, formulação e tratamento das ZEIS em Salvador

O Plano Diretor é estabelecido pela Constituição Federal de 1988 como o legítimo formulador das políticas urbanas, é ele que estipula diretrizes para que as cidades cumpram a sua função social. Dentre estas diretrizes está a demarcação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), as quais definem parcelas de áreas urbanas destinadas predominantemente à moradia popular e de comunidades tradicionais, sujeitas a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo.

O último Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (PDDU), de 2016, demarca 234 áreas como ZEIS, subdivididas em categorias que dizem respeito às características materiais e simbólicas dos territórios. São levados em conta aspectos de conflitos inerentes às dinâmicas urbanas como a relação entre moradia e áreas ambientalmente protegidas, especificidades culturais (os modos de criar, fazer e viver), além das pressões do mercado imobiliário.

No PDDU de Salvador, são definidas cinco categorias de ZEIS:

“ZEIS-1: assentamentos precários – favelas, loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais irregulares; ZEIS-2: edificação ou conjunto de edificações deterioradas, desocupadas ou ocupadas, predominantemente, sob a forma de cortiços, habitações coletivas, vilas ou filas de casas; ZEIS-3: compreende terrenos não edificados, subutilizados ou não utilizados; ZEIS-4: assentamentos precários, ocupados por população de baixa renda, inseridos em APA ou APRN; ZEIS-5: assentamentos ocupados por comunidades quilombolas e comunidades tradicionais, especialmente aquelas vinculadas à pesca e à mariscagem”.

A demarcação das ZEIS pelo PDDU configura uma abordagem especial da política urbana, ancorada nas especificidades locais. Enquanto instrumento político, as ZEIS também podem e devem potencializar a mobilização social dos territórios, já que associa-se à regularização fundiária, à segurança da posse, à ações de urbanização e de promoção de condições de habitabilidade. Outro aspecto importante é o acesso aos serviços públicos, à produção habitacional e à diminuição da pressão imobiliária. Para a efetivação destes direitos, as diretrizes calcadas pelo PDDU em torno das ZEIS devem guiar a execução da política urbana e nortear o orçamento público do município de Salvador (Plano Plurianual e diretrizes orçamentárias) de modo que garanta investimentos prioritários nestes territórios para produção de moradia popular.

Apesar de o PDDU ter demarcado 20% da área total de salvador, onde residem 56,6% da população, como ZEIS, este instrumento demanda regulamentação específica e priorização na implementação das políticas urbanas setoriais. Fato é que sem esta articulação, a situação de vulnerabilidade da população que mora nesses territórios se agrava.

A falta de uma estratégia clara para efetivação das ZEIS pode ser observada nas diretrizes do Plano de Governo (2021-2024) traçadas pela atual gestão municipal de Salvador. Apesar das ZEIS serem mencionadas quinze vezes no documento, não está evidenciada uma estratégia de ação, metas e resultados de políticas públicas voltadas para esses territórios. Ademais, a proposição da atual gestão não conta com projetos específicos para ZEIS-3, correspondentes a terrenos não edificados (ZEIS de vazios). 

Para conferir efetividade às diretrizes relacionadas às ZEIS, o Plano Diretor determina a obrigatoriedade de elaboração de um Plano de Regularização, com a participação dos moradores da ZEIS, no qual deverá constar o planejamento da urbanização; da regularização fundiária, da ação social e geração de renda e da gestão participativa. Em relação às ZEIS V (população remanescente de quilombos e comunidades tradicionais) é fixado o prazo de quatro anos a partir da edição do Plano Diretor (prazo finalizado em 2020) para elaboração do Plano de Regularização das ZEIS. Até o presente momento, só foi criada a Comissão de Regularização de ZEIS da Gamboa de Baixo/Unhão, através do Decreto n. 33.680, de 22 de março de 2021.

A efetivação das ZEIS está em disputa, instigando mobilizações sociais, pressões associadas a interesses econômicos e políticas públicas. Deste modo, a apropriação deste instrumento por movimentos sociais, acadêmicos e gestores públicos comprometidos com o direito à cidade se impõe na ordem do dia.

Figura 1 – ZEIS Institucionalizadas em Salvador.

Fonte: Google Maps elaborado a partir de LIMA, OLIVEIRA, GALINDO, 2020, com base no PDDU/2016 – Prefeitura Municipal de Salvador (PMS). Imagem gerada no Quantum Gis v. 2.18.28

Para saber mais:

LIMA, Adriana; VIVEIROS, Liana Silvia; GALINDO, Ernesto. ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL NA CRISE POLÍTICA E SANITÁRIA: DISPUTA EM TORNO DO DIREITO À MORADIA E À CIDADE EM SALVADOR, BRASIL. DIREITO DA CIDADE, v. 13, p. 982-1022, 2021.

LIMA, Adriana.; GONZALEZ, Fernanda; VIVEIROS, Liana. Zonas Especiais de Interesse social: o limite entre o direito e a despossessão. In: Bruno Vieira. (Org.). Instrumentos urbanístico e sua (in)efetividade. Londrina: Thote, 2021, v. II, p. 23-35.

SALVADOR. A Lei municipal nº 7.400, de 2008. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador 2008. Disponível em: http://www.sedham.salvador.ba.gov.br. Diário Oficial do Município, Salvador, 2008. Acesso em: 10 jun. 2009.

SALVADOR/ FUNDAÇÃO MÁRIO LEAL. Critérios para seleção e hierarquização das ZEIS. Salvador: Instituto Polis, 2019