ZEIS e sua relação com outros instrumentos da política urbana municipal

ZEIS como dever: mais do que urbanização e regularização, garantia do direito à vida.

O Plano Diretor de Salvador de 2016 determina que as categorias de uso permitidas nas ZEIS serão definidas pela LOUOS, a Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo do Município. Esta lei se pauta nos princípios e objetivos expressos no PDDU para o macrozoneamento urbano, o qual estabelece normas, critérios e parâmetros para o uso e ocupação do solo nas diferentes zonas urbanas, respeitando as especificidades de cada uma delas.

A LOUOS define os usos e limites à propriedade em ZEIS, estabelecendo os percentuais mínimos de área construída para habitação de interesse social, os parâmetros de ocupação do solo e as especificidades exigidas para a titulação social. Esta lei também regula a implantação de empreendimentos de comércio e serviços de âmbito local e de equipamentos comunitários de interesse coletivo. Para ZEIS de áreas ocupadas, a LOUOS atua reconhecendo as áreas urbanizáveis e determinando os parâmetros para regularização urbanística dessas áreas. Estes parâmetros determinam frente mínima, área mínima do lote, coeficiente de aproveitamento, índice de ocupação mínima, índice de permeabilidade mínima, recuos mínimos e quota máxima de terreno por unidade. 

O conjunto dos dispositivos trazidos pelo PDDU e LOUOS dispõe acerca das possibilidades e especificidades das ZEIS, configurando um sistema de regulação do território, contemplando instância de participação popular, voltado à realização do direito à moradia. Para fins deste exercício, a estruturação das ZEIS permite o estabelecimento de parâmetros urbanísticos específicos com vistas à regularização urbanística e fundiária dos territórios populares. Porém, é importante enfatizar que a implementação das ZEIS não se restringe à estruturação destes parâmetros, sendo também necessárias ações sociais complementares que, quando não realizadas, podem reforçar os processos de precarização já existentes.

Ao refletirmos sobre a aplicação do instrumento da ZEIS e seu eventual conflito com os demais instrumentos da política urbana, caberia perguntar: como o Plano Diretor pode responder à sobreposição de instrumentos num mesmo território? Uma área de ZEIS poderia ser excepcionada para a aplicação, por exemplo, do instrumento urbanístico da Transformação Urbana Localizada (TUL)? Em Salvador, a aplicação deste instrumento tem conflitado com algumas áreas demarcadas como ZEIS, a exemplo do Tororó, despertando este questionamento.

A TUL é um instrumento de política urbana, previsto e regulamentado no PDDU de Salvador, que direciona ações de urbanização, reurbanização e requalificação (de até 50.000m²) para viabilizar projetos urbanísticos especiais, nas proximidades das estações dos sistemas de transporte de alta e média capacidade. Para estes fins, o instrumento também possibilita a flexibilização de parâmetros urbanísticos através de intervenções de menor porte.

Imagem 01: Raio de ação da TUL em Salvador.

Fonte: SALVADOR, 2019.

Imagem 02: ZEIS demarcadas pelo PDDU 2016 em Salvador.

Fonte: SALVADOR, 2019.

Considerando a prerrogativa da função social da cidade e da propriedade, instituída pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade, normativas federais que incidem sobre o PDDU e seus instrumentos de política urbana, nenhum destes poderia ser aplicado em áreas demarcadas como ZEIS, se violarem tal prerrogativa. Nas áreas de ZEIS, o poder público municipal tem o dever de elaborar políticas e implementar ações, com participação dos moradores, relacionadas, especialmente, à segurança jurídica da posse (regularização fundiária), moradia adequada e acesso à infraestrutura urbana e de serviços (regularização urbanística). 

Nesse sentido, os instrumentos de política urbana, a exemplo da TUL, ao se encontrarem com áreas demarcadas como ZEIS, só poderão ser implementados se colocados à serviço da garantia da função social da propriedade e da cidade, o que implica, nestas áreas, a garantia de permanência de seus moradores, em condições de moradia e provisão de infraestrutura urbana adequadas.


Para saber mais:

SALVADOR. Lei nº 9.069, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador - PDDU 2016 e dá outras providências. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/plano-diretor-salvador-ba. Acesso em: 25 julho. 2021.

SALVADOR. Lei nº 9.148, 08 de setembro de 2016. Dispõe sobre o Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo do Município de Salvador e dá outras providências. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/ba/s/salvador/lei-ordinaria/2016/914/9148/lei-ordinaria-n-9148-2016-dispoe-sobre-o-ordenamento-do-uso-e-da-ocupacao-do-solo-do-municipio-de-salvador-e-da-outras-providencias. Acesso em: 25 julho. 2021.

SALVADOR, Decreto nº 30.799, de 2019. Regulamenta a Transformação Urbana Localizada. Disponível em: http://www.sucom.ba.gov.br/programas/tul-transformacao-urbana-localizada/. Acesso em: 28 julho, 2021.