Regularizar uma ZEIS de área ocupada

COMO FAZER A REGULARIZAÇÃO URBANÍSTICA E FUNDIÁRIA DE UMA ZEIS DE ÁREA OCUPADA?

A Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) deve ser institucionalizada mediante a sua inserção no zoneamento do município, o que deve ser feito preferencialmente na lei do Plano Diretor, ou em lei municipal específica. Em se tratando das ZEIS de áreas ocupadas deverá ser elaborado um Plano Geral - Plano de Regularização - para dar conta das especificidades e das características de cada área, tendo como ênfase a participação popular em todo o processo. Esse Plano Geral compõe-se de três planos vertentes de planejamento específicos – Plano de Urbanização, Plano de Regularização Fundiária e Plano de Participação Social e Geração de Renda- devendo ser instituído por decreto municipal.

No PDDU de Salvador (2016), este Plano Geral foi denominado, de forma redutora, de Plano de Regularização Fundiária. É importante destacar que, conforme previsto no art. 78 do PDDU, este plano pode ser elaborado por “órgãos da administração direta ou indireta do Município ou do Estado da Bahia, com a participação da população moradora da ZEIS em todas as suas etapas e componentes, ou por iniciativa da própria comunidade, com assessoramento técnico qualificado, aprovado pelo órgão municipal de habitação”. Essa questão é de extrema relevância pois confere aos movimentos sociais e às comunidades em áreas de ZEIS uma relativa autonomia para a articulação e construção coletiva do plano. Mas ao longo do processo existem dificuldades, como o apoio de assessoria técnica ao longo tempo necessário para a elaboração do plano de regularização, e, principalmente, a falta de apoio efetivo do poder público municipal.

O Plano de Urbanização deve tratar de questões relativas à infraestrutura, aos espaços públicos e à regularização das edificações, principalmente com a elaboração de normas especiais de uso e ocupação do solo, conforme previsto no artigo 2 do Estatuto da Cidade (item XIV). Essa é uma das características principais do instrumento, permitindo estabelecer um diálogo com os modos de morar locais e com as práticas da autoconstrução, adequando-as ao conforto, salubridade, segurança individual e coletiva.

No PDDU de Salvador de 2016 este o Plano que corresponde à urbanização é denominado como Plano de Massas de Urbanização. Consideramos que a utilização do termo “plano de massa” é equivocada, já que esse termo está associado à elaboração de projeto arquitetônico/urbanístico, que tem como questões principais a forma e o volume das edificações. Nesse sentido, diferencia-se, portanto, da ideia mais ampla de Plano de Urbanização, que deve priorizar as questões relativas à infraestrutura, espaços públicos e regularização das moradias. Além disso, no PDDU/2016 houve redução dos estudos exigidos para tal plano, como a elaboração das normas especiais, além do cadastro físico das moradias e dos espaços públicos existentes.

O Plano da Regularização Fundiária, denominado no PDDU/2016 de “Plano de Regularização Jurídico-Legal”, deve ter como diretriz a permanência dos moradores no local, com a indicação de um conjunto de instrumentos jurídicos que possam ser aplicados pelo poder público para a segurança jurídica da posse dos moradores das ZEIS, devendo ser adequado a cada caso.

No âmbito do Plano de Participação planejamento da participação devemos destacar a composição da Comissão de Regularização, ou Conselho Gestor das ZEIS, como um importante instrumento de gestão democrática para que os moradores possam acompanhar, fiscalizar e reivindicar os seus direitos, historicamente suprimidos e/ou negados, em uma perspectiva de controle social e co-responsabilidade. No geral, são compostos por representantes dos moradores e do poder público, com funções deliberativa e consultiva, e participação direta na formulação, aprovação e implementação da regularização urbanística e fundiária e dos projetos de intervenção. O PDDU/2016 estabelece a instância da Comissão de Regularização (art. 81), com composição paritária entre os representantes dos poderes executivo/legislativo e da sociedade civil, conforme parágrafo segundo do artigo 82.

Podemos dizer então que a regulamentação da ZEIS, mediante a regularização urbanística e fundiária, está apoiada em um outro olhar sobre esses territórios populares, contemplando a pluralidade de normas urbanísticas e de formas jurídicas.

Vale registar que em Salvador, apesar do estabelecido no PDDU/2016, tem-se a completa falta de continuidade da política urbana, com pequenos avanços e muitos retrocessos, o que consequentemente resulta na baixa efetividade do instrumento da ZEIS. Existem planos de bairros (que se assemelham aos Planos de Regularização) realizados por universidades, consultorias e ONGs, a exemplo dos bairros de Saramandaia, 2 de Julho, Nova Constituinte, 7ª etapa do Centro Histórico, Canabrava e Cassange (Vetor Ipitanga), os quais não foram regulamentados pelo executivo municipal.

Nesse contexto, é de fundamental importância destacar a importância dos movimentos sociais por moradia, bem como das associações de moradores no processo de regulamentação das ZEIS, com a apropriação efetiva deste instrumento como ferramenta importante na luta por moradia digna e na permanência dos moradores em seus territórios, de modo a fazer valer o que está na lei do PDDU/2016.


Para saber mais:

GORDILHO-SOUZA, A. M.; TEIXEIRA, A. N. ; SANTO, M. T. G. E. O desafio da regulamentação de ZEIS - Zonas de Especial Interesse Social. Anais... 12 Encontro Nacional da Anpur, 2007, Belém. XII Encontro Nacional da Anpur. Belém: ANPUR, 2007. Disponível em: https://anais.anpur.org.br/index.php/anaisenanpur/article/view/1072. Acesso em: 10 mar. 2021.

SALVADOR. Lei Nº 9.069 de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador - PDDU 2016 e dá outras providências. Disponível em: http://www.sucom.ba.gov.br/wp-content/uploads/2016/07/LEI-n.-9.069-PDDU-2016.pdf

TEIXEIRA, Aparecida Netto. Estatuto da Cidade e ZEIS. Bahia Análise & Dados, v. 19, p.667-678. 2009. Disponível em: http://www.ijsn.es.gov.br/ConteudoDigital/20180516_bahiaanaliseedados_v.19_n.3out_dez2009_p.667_678_.pdf. Acesso em: 10 mar. 2021.

TEIXEIRA, Aparecida Netto; ESPIRITO SANTO, Maria Teresa. A ZEIS de Vila Nova Esperança: habitação de interesse social no Centro Histórico de Salvador (Pelourinho/BA). Revista Veracidade. Salvador, ano IV, n. 4, mar. 2009. Disponível em: http://www.veracidade.salvador.ba.gov.br/v4/index.php?option=com_content&view=article&id=12&Itemid=3. Acesso em: 10 mar. 2021.

TEIXEIRA, Aparecida Netto. EMILIANO, Elisamara. Perspectivas e impasses para a regulamentação da ZEIS 114 – Centro Histórico de Salvador. Anais... 7. Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, 2013, São Paulo. Anais do 7 Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, 2013. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/369423045/ANAIS-DO-VII-CONGRESSO-BRASILEIRO-pdf. Acesso em: 10 mar. 2021.

TEIXEIRA, Aparecida Netto. EMILIANO, Elisamara. Habitação Social no Centro Histórico de Salvador. In BAIARDI, Amilcar; MACEDO FILHA, Joselita Frutuoso. (orgs). Estado, Sociedade e Território. Salvador: Quarteto, 2016. p. 117-147.